sexta-feira, 19 de março de 2010

Um dia na vida

Essa semana, voltando para casa pelas ruas da cidade, pensando na Vida e em tudo que ela traz por trás de si mesma, pude presenciar duas cenas que me marcaram muitíssimo. Uma de tristeza tremenda, inconcebível, inimaginável. Outra, de pura paz, de clareza ímpar, que pôde talvez me fazer desfazer de muitos anseios.
Estava eu na plataforma superior da Rodoviária de Brasília (por sinal, um projeto urbanístico-rodoviário dos que mais admiro. De Lúcio Costa) na espreita por um ônibus no qual pudesse voltar para casa. De lá, observando parte do caos que nossa cidade está se transformando, com seus quase dois milhões de automóveis INDIVIDUAIS (e isso já é pano pra manga pra outras conversas), presenciei, de longe, meninos de rua em seu mais auto clímax, em sua única diversão. Viagens proporcionadas por garrafinhas d'água com fugas da realidade dentro. Fiquei emocionado. Fiquei triste. Nos jardins de Burle Marx - de frente ao Teatro - CRIANÇAS montavam seu espetáculo, exibindo para a classe média que saía de seus monótonos trabalhos nos ministérios, o resultado do sistema que EXCLUI E MATA que eles ajudam a manter. A essa mesma classe média importa unicamente que seus salários não faltem no fim do mês. Somente. Ela se importa apenas se poderá viajar no fim do ano, se trocará de carro o quanto antes ou se poderá PAGAR a escola de seus filhos (pela segunda vez, já que nossos impostos já mantém a (precária - não por falta de dinheiro) educação pública). E enquanto cada um vive trancado em seus anseios pessoais o mundo lá fora nos grita que precisa de amor. Tenta nos chamar atenção da forma mais clara possível. Põe sob nossos narizes catástrofes sociais/urbanas que são impossíveis de não se enxergar. Porém, estamos mais preocupados se a empregada lavou o banheiro direito ou não: "-Estamos pagando por isso!"... Estou seriamente triste. A imagem dos meninos farrapos e sujos cheirando seu momento de prazer (seu momento de vida, não de sobrevivência) e divertindo-se nos jardins e no Eixo Monumental não me será esquecida tão cedo.
Por contrapartida, talvez sem conexão aparente, mas de valor simbólico semelhante (quantitativamente), outro momento fez-me mergulhar no interior de mim mesmo de maneira que poucas vezes consegui. A partir daí, porém, pude notar mais presente certas coisas que alcançam o âmago do meu ser, talvez por uma aceitação (finalmente!) de ser eu da maneira que sou ou do que almejo ser... Três velhinhas. Ponto. Sentadas a frente de um pequeno edifício, em banquetas toscas, sem muita complexidade visual ou compreensiva, sem palavras ou gesto algum, só o silêncio. Talvez as Moiras, quem sabe... Talvez simplesmente o que aparentavam ser, e somente isso. Porém de uma maneira tão simples e pura, tão alva e resolvida, que pude notar a essência da Vida exalada em seu simples ato (consciente ou inconsciente) de estar, de ser. Li uma vez em Lispector a seguinte frase: “Por que o cão é tão livre? Por que ele é o mistério vivo que não se indaga.” – E naquele momento tudo fez sentido.

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